Crede Ut Intelligas

As imagens fotográficas selecionadas pelo olhar de Tadeu Vilani nos apresentam a metáfora de um dilema existencial. Nos contrastes de luz e sombra captados entre lápides de cemitérios do Novo e do Velho Mundo se avulta a silenciosa questão: haverá algo a se esperar além da vida? E se nada houver, a quem terá sido dedicado tanto sentimento traduzido nas formas dos enigmáticos anjos de mármore e bronze que se perseveram através dos tempos?Sob as formas de seres alados do universo cristão e de outras religiões da Antiguidade, são apresentados vestígios de sofrimento, saudade e esperança. Sentimentos que não nos parecem estranhos, porque embora presentes em criaturas celestes são, antes de tudo, humanas as linhas e fisionomias gravadas em materiais nobres. Expressões que, em nosso tempo, continuam a reverberar sob sais de prata, pixels e seqüências binárias, partículas fundamentais do universo fotográfico de Vilani.Alguns seres celestes participam das dores humanas: anjos que conduzem almas, que lamentam partidas prematuras e guardam o último sono dos mortais. Outros permanecem distantes, como o impiedoso Cronos, sob a forma do Pai Tempo que gera e consome os filhos, eterno e impassível frente ao ciclo da vida. Seres cujas asas lembram uma origem distante dos sepulcros terrenos, mas que, da mesma forma que os humanos que ali jazem, também conhecem a morte do esquecimento. Pelo menos, até o dia em que a luz de seus gestos é captada pelo enquadramento de um olhar, e pela fotografia um sentimento é enfim revivido.No dístico de Santo Agostinho, evocado como título dessa exposição, subentende-se um desafio frente ao desconhecido: ?Crede ut intelligas?. É preciso acreditar em algo além da imagem para entender os enigmas para os quais elas nos apontam. Talvez, não possamos alcançar tão cedo a resposta para a questão sobre a existência de algum objeto para as expressões petrificadas. Mas, embora tal conhecimento não possa ser alcançado unicamente pela razão, também não o será apenas por meios metafísicos. Resta-nos uma estratégia, não tão difícil, a de nos levarmos pela empatia e pela problemática confiança que as limitações dos sentimentos nos concede.

Altamir Moreira - Professor Doutor da FAC - UPF

quinta-feira, 12 de junho de 2008